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terça-feira, 1 de maio de 2012

Reflexões sobre o mercado imobiliário


Após perder meu prazo em razão da tão esperada união em laços matrimoniais de um dos membros de nossa Confraria e a maravilhosa Adriana (parabéns denovo Joca e Adriana), o que tomou de assalto grande parte da atenção de todos nós, cumpro de forma intempestiva minha atribuição com pequenas reflexões sobre o cenário imobiliário carioca.
No início de 2008 assinei meu primeiro contrato de locação. Tinha acabado de ser comissionado em meu emprego e, para fazê-lo e dar andamento concomitantemente a minha graduação se fazia necessário morar na capital fluminense.
Correria procurando imóvel de um lado, tempo escasso do outro, ao fim consigo alugar meu apartamento com um contrato padrão.
Como disse inicialmente, tratava-se do início do ano de 2008 e, sendo o contrato de 30 meses, findou-se em meados de 2010, a partir de quando, de acordo com nossas normas civis, passou a vigorar por período indeterminado, o que acarreta a possibilidade de resolução por qualquer uma das partes com prévio aviso de 30 dias.
Falta de interesse pela proprietária, ciência de inevitável aumento no valor do aluguel de minha parte, contrato não foi renovado e vigorou até março de 2012, quando recebi notificação da administradora do imóvel cientificando-me do interesse da proprietária em "atualizar" o valor do aluguel em 100%.
Essa pequena história serve apenas para contextualizar o atual cenário imobiliário carioca que é constantemente divulgado pela mídia, vivido por muitos como eu e que, a meu ver, constitui uma bolha especulativa que nasce, desenvolve-se e estoura em três fases distintas: recuperação dos valores imobiliários, supervalorização e estouro propriamente dito.
Desde logo gostaria de deixar claro que qualquer semelhança com a crise dos EUA nesse mercado é sim mera conscidência, uma vez que a cultura, as regras de mercado, o sistema jurídico, as possibilidades comerciais e os produtos bancários são completamente diferente, como se não bastasse a diferença cambial...
No cenário americano há a possibilidade da constituição de diversas hipotecas sobre um mesmo imóvel para garantir créditos que eram tomados para aquisição de um novo imóvel ou apenas para gastar com coisas banais. Resumidamente, em algum momento um banco quebrou, acarretando a realização do chamado "risco sistêmico". Não havia mais crédito na praça e as pessoas viam repentinamente seus imóveis se desvalorizarem a patamares insuficientes para arcar com as hipotecas.
Bom, isso é lá. As pessoas lá compram imóveis para investir. As pessoas lá pegam crédito para fazer mais dinheiro. Aqui não é assim. Ou melhor, não era.
Recuperação dos valores imobiliários
Diversos fatos influenciaram recentemente nossa economia, dentre eles a escolha de nosso país para a copa do mundo e olimpíadas, o que levou nossas cidades, especialmente o Rio de Janeiro, a viverem um surto de obras de melhoria viária, de infraestrutura e de qualidade de vida, em uma sequência de atos governamentais desesperados no intuito de "fazer bonito para o mundo", mesmo que de forma intempestiva. De repente vemos que aquele bairro que vivia aos pés da favela agora é parceiro da comunidade vizinha.
Foram criados programas que nos fazem pensar "como ninguém pensou nisso antes?", como as UPP's, o BRT e as linha 3 do metrô, construindo um verdadeiro anel intermodal de transportes públicos. 
Nossa economia cresceu. Tudo bem que não crescemos tanto quanto era o desejável, mas fomos beneficiados pro crises em todo o mundo e que atingiram as outras economias naquilo em que não somos ainda tão desenvolvidos. Sabe-se bem que para ficar bonito na foto há apenas duas formas: ou você se embeleza ou os outros é que estão feios.
Tivemos a ascensão de grande parte da população para classes superiores e as aumentamos. As instituições financeiras, atentas ao cenário, disseminaram o crédito dentre esses novos integrantes da classe média que tanto almejavam a aquisição de bens de consumo duráveis ou não, inicialmente com o grande objetivo de demonstrar para os outros e para si mesmos que "agora dá!".
As pessoas, que agora ganhavam mais e podiam comprar imóveis pela disseminação do crédito, o fazia para corrigir o déficit habitacional existente no país, ou, em outras palavras, realizar o sonho da casa própria, valorizando inconscientemente o mercado através da velha técnica mercadológica da oferta e procura.
Neste período o aumento dos valores no mercado imobiliário era sadio e em patamares adequados, visto o longo período de desvalorização sofrido por essa parte de nossa economia derivado da falta de investimentos públicos em infra-estrutura e qualidade de vida para a população.
Com a dificuldade de locomoção gerada pela falta de serviços públicos de qualidade, concessões inadequadas e não fiscalizadas e pela ausência da aplicação de conhecimentos técnicos especializados em engenharia de tráfego, víamos um constante inchaço populacional no grande centro da cidade, desenvolvendo-se muito acentuadamente o fenômeno da favelização, reduzindo drásticamente o valor imobiliário.
Desta forma, no primeiro momento, os imóveis apenas recuperaram seu real valor de mercado, que apresentava-se deteriorado pelos fatos citados.
Contudo, vinculado ao mercado de compra e venda imobiliária há outro mercado, qual seja, o da locação imobiliária, que não se valorizou na mesma medida e/ou momento que o de compra e venda. Isso não causou grandes efeitos neste primeiro momento, visto que as aquisições eram realizadas pela nova classe média para utilização familiar, mas terá grande importância na segunda e terceira fases.
Supervalorização
Nesta segunda fase as pessoas começaram a adquirir os imóveis com o intuito de gerar renda, inicialmente alugando-os e, após algum tempo, realizando a valorização ocorrida no decorrer do tempo quando em comparação ao preço de compra, imaginando um constante e ininterrupto crescimento valorativo.
As construturas, que já havia se convencido do desenvolvimento robusto do mercado imobiliário, começaram a lançar uma série de empreendimentos, gerando um aumento na oferta que foi perfeitamente absorvido pelo mercado. Como a procura estava em franco estado de crescimento o aumento na oferta não reduziu o preço dos imóveis que continuavam a crescer vertiginosamente com lançamentos sendo completamente vendidos em dois ou três dias.
A linha que separa o justo valor de mercado e a supervalorização é tênue e sofre influência de diversos fatores, que a fazem variar em curtos espaços de tempo. Assim,  com a contínua valorização, o excesso de crédito e o marketing agressivo das construtoras e do governo, este último demonstrando o sólido crescimento econômico, os preços permaneceram subindo, ultrapassando o limite do justo preço em muito.
Nesta fase já tínhamos diversas pessoas que compravam seus imóveis como investimento, e não mais como moradia familiar. Jovens solteiros recentemente bem empregados, pais de famílias que já possuíam sua residência própria, construtoras que compravam antigos prédios, terrenos e casas bem localizados para construir grandes empreendimentos e que também eram vítimas do monstro que ajudaram a criar. Criou-se uma nação buscando renda com o mercado imobiliário que desenvolvia-se aos olhos nus de todos.
Com exceção das construtoras, esses agentes do mercado adquiriam seu imóvel para lucrar com eles através do aluguel e depois com o resultado positivo entre sua compra e a venda em um momento futuro. Contudo, como dito anteriormente, o valor dos aluguéis não acompanhou o dos imóveis, gerando a impossibilidade de pagar as prestações do financiamento apenas com sua locação. Até aí tudo bem, contudo, toda essa população que antes não possuía poder de compra e agora estava bem incluso no mercado consumidor não teve a correta educação financeira de forma a fazer reserva para eventuais necessidades ou calcular seus gastos correntes.
Com relação ao mercado locatício, os contratos passaram a ser renovados com percentuais exorbitantes, que levavam em conta não do desenvolvimento desse mercado, mas do mercado de compra e venda imobiliária, ou seja, foram utilizados critérios incorretos que possibilitaram distorções de difícil correção imediata.
Aqueles que desenvolveram-se profissional e economicamente durante o período de recuperação imobiliária já eram inquilinos e, agora que seus contratos venciam, não desejavam renovar com os atuais valores, preferindo adquirir seus próprios imóveis. Já aqueles que agora faziam parte da nova classe média não podiam locar com os extraordinários valores cobrados.
Agora temos um cenário que não é dos melhores. Temos uma classe média inflada com cidadãos sem educação financeira e que anseiam pela realização de desejos postergados a décadas, um excesso de crédito desorientado inundando o mercado, uma superalorização nos valores dos imóveis e uma ausência de mercado locatício para possibilitar a manutenção do bem até sua quitação e posterior venda para realização de uma valorização que não tem mais para onde ocorrer.
Importante salientar que o aumento da renda da população não foi ignorado durante o processo de elaboração desse cenário apocalíptico, contudo, este não ocorreu na mesma proporção que o preço dos imóveis, que em alguns bairros do município do Rio chegou a 200%.
Assim, caminhamos para a terceira fase de nosso cenário imobiliário, o estouro da bolha propriamente dito.
Estouro propriamente dito
As pessoas que entraram nas classes C e D recentemente, conforme já citado, não possuem o mínimo de conhecimento financeiro e, sem se preocupar com isso, estão assumindo compromissos de até 30 anos. Não podemos esquecer que na nossa cultura não lembramos da origem de um débito no cartão de crédito na terceira parcela cobrada.
Sem educação financeira não há planejamento orçamentário, imprescindível para complexa decisão de assumir uma dívida que durará até a aposentadoria, em alguns casos até passando.
A variação das taxas de juros, o crescimento ou a recessão do mercado, a manutenção do atual emprego ou a possibilidade de buscar outro melhor através de uma arriscada atitude, todas essas ponderações são deixadas de lado por essa população que apenas enxerga em seu ato a possibilidade de gerar conforto pra sua família ou de adquirir grandes rendimentos, mesmo que isso traga grandes transtornos no futuro.
Mas o mercado só estava para peixe no início, em sua primeira fase, passando a ser habitado apenas por tubarões nesta última. Com a supervalorização que ocorreu em percentual em muito superior ao PIB e a própria média dos salários praticados no mercado reduz-se a quantidade de pessoas que hoje podem comprar seu imóvel nas áreas urbanas mais desejadas.
Para aqueles que compraram seus imóveis na baixa é o momento de realizar o lucro conquistado, mesmo que vendendo-o por um preço pouco abaixo do mercado. Para aqueles que ainda não compraram, é razoável a adoção da paciência como balisador das atitudes nesse complexo mercado, aguardando-se a queda dos preços, que deve ocorrer ainda este ano, sob pena de ver seu capital imobilizado e se desvalorizando aos poucos.
Quanto a mim, entrego o apartamento essa semana...



João Baptista

3 comentários:

  1. Excelente texto, João!
    Sabe o que chama atenção? A economia cresce, os preços sobem, a bolha enche... mas a saúde não avança, a educação patina, a qualidade de vida em grande parte do país se mantém em níveis vergonhosos. Progresso deveria ser um conjunto de avanços econômicos e sociais; se um dos dois falta, alguma coisa está errada.

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  2. Concordo com o Bruno!
    O problema é a prioridade que o Estado dá para a economia em detrimento do avanço nas deficiências sociais. A educação, saúde, reforma tributária são deixados para um segundo plano.
    O Brasil é a 6ª maior economia no mundo, enquanto a desigualdade continua extrema.
    Muito bom o texto João, parabéns.

    Abs,
    Alberto.

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  3. É mais uma forma de quase todos ganharam já que o mercado financeiro não está dando mais o retorno esperado. Ganham os bancos com os juros dos empréstimos, mercado imobiliario e aqueles órfãos da bolsa de valores que entram para o ramo da compra e venda de imóveis.

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