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domingo, 6 de maio de 2012

Breves considerações sobre a aplicação de prisões e medidas cautelares

      
Em primeiro lugar, destaco que é uma honra oferecer uma modesta colaboração a este espaço, que só tende a crescer. Trata-se, no meu ponto de vista, de uma iniciativa ambiciosa e arrojada, que bem representa o ideário de tornar concretas diversas discussões jurídicas candentes. Em suma, longa vida a este espaço virtual do COYG.

Antecipadamente, peço desculpas pela frieza técnica do presente texto. Após a brilhante análise inicial da vida e obra do nobre patrono desta Confraria feita por Felipe Oquendo e o perspicaz escrutínio do panorama hodierno de nosso mercado imobiliário feito por João Baptista, apresento palavras mais voltadas a detalhes legais. Melhor dizendo, falaremos aqui de alterações técnicas, de novidades legislativas, em um espectro eminentemente jurídico.

Coube a mim tratar dos assuntos relativos a direito penal e processo penal. E como primeiro tema, considerando a relevância conferida pelo caráter recente da legislação, penso ser interessante abordar alguns aspectos sobre a aplicação de prisões e medidas cautelares. Evidentemente, não seria possível realizar aqui uma exposição exaustiva sobre o tema. Contudo, podemos fazer breves e precisos comentários sobre a espinha dorsal da novatio legis.

Fundamentos da aplicação de prisões e medidas cautelares


Com efeito, a fundamentação da Lei nº. 12.403/11, que revolucionou a sistemática das medidas cautelares de cunho penal, está quase em sua totalidade calcada no art. 5º., LXI a LXVI, da Constituição da República.


LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial;
LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;
LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;

Note-se que a Constituição ressalva apenas, no inciso LXI, as infrações e crimes militares, que se submetem a outro sistema, não regido pelo CPP – e, logo, não afetado pela lei 12.403/11, que, como sabido, foi a responsável por trazer as inovações do Código aqui debatidas. Deve ser feito destaque igualmente para a prisão civil, que tampouco é afetada pela alteração legislativa em tela, por não estar abrangida no sistema penal.

Além disso, houve um alinhamento das prisões e medidas cautelares com os princípios de direito penal, bem como a preservação da liberdade como direito fundamental. Salta aos olhos o Princípio da Subsidiariedade, que funciona como um vetor de orientação para a aplicação das medidas cautelares e da própria prisão. A custódia cautelar (como verdadeira antecipação da tutela penal) funciona como extrema ratio da ultima ratio.

Por fim, um terceiro pilar da nova sistemática das medidas cautelares penais é a individualização da pena. Neste ponto, Guilherme de Souza Nucci entende, com amparo na jurisprudência do STF, que, se existe o princípio da individualização da pena, também deve existir o princípio da individualização das medidas e prisões cautelares. E tal posicionamento está refletido na novatio legis.

No que tange aos princípios norteadores da aplicação das prisões e medidas cautelares, merecem ser feitos alguns destaques, conforme apontamentos realizados por Aury Lopes Jr. (LOPES JR, Aury, Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2010):

  • Jurisdicionalidade. “Toda e qualquer prisão cautelar somente pode ser decretada por ordem judicial fundamentada”. O flagrante não é exceção a tal princípio, pois não constitui modalidade de prisão cautelar autônoma, mas apenas mera providência pré-cautelar. Vide art. 5o, LXI, CR.

  • Legalidade. “Somente podem ser utilizadas medidas cautelares previstas em lei e nos limites da lei”. Nessa esteira, não mais se aplica o poder geral de cautela do magistrado como fundamento para a criação de medidas cautelares inominadas, face a taxatividade do texto legal. Apesar de tal raciocínio preponderar, vale ressaltar que existe posição em contrário, apontando que o juiz poderia inovar quando se tratar de hipótese não abrangida pelo rol normativo (nesse sentido, Marcellus Polastri de Lima)

  • Provisionalidade. “Uma vez desaparecido o suporte fático legitimador da medida e corporificado no fumus comissi delicti e/ou no periculum libertatis, deve cessar a prisão”. O mesmo se aplica às medidas cautelares.

  • Provisoriedade. “Distinto do princípio anterior, a provisoriedade está relacionada ao fator tempo, de modo que toda prisão cautelar deve(ria) ser temporária, de breve duração”.

  • Excepcionalidade. “A excepcionalidade deve ser lida em conjunto com a presunção de inocência, constituindo um princípio fundamental de civilidade, fazendo com que as prisões cautelares sejam (efetivamente) a ultima ratio do sistema, reservadas para os casos mais graves, tendo em vista o elevadíssimo custo que representam”

  • Proporcionalidade. “O Princípio da Proporcionalidade vai nortear a conduta do juiz frente ao caso concreto, pois deverá ponderar a gravidade da medida imposta com a finalidade pretendida, sem perder de vista a densidade do fumus comissi delicti e do periculum libertatis. Deverá valorar se esses elementos justificam a gravidade das conseqüências do ato e a estigmatização jurídica e social que irá sofrer o acusado”. Vale destacar, nos termos da exposição a ser trazida adiante, que a Proporcionalidade está agora consagrada no art. 282 do Código de Processo Penal.


Aplicação das prisões e medidas cautelares

No que toca à aplicação das medidas cautelares, é importante ter em mente o abandono do sistema “binário”, ou seja, onde se previa apenas prisão e liberdade, em relação de contraposição. Agora, vigora uma lógica “multicautelar”, na qual o magistrado pode optar por diversas alternativas, deixando as duas opções acima de serem as únicas possíveis ao acusado.

O art. 282 traz os requisitos exigidos para a concessão das medidas cautelares. É genérico, se aplicando às cautelares em geral, seja a prisão ou as demais medidas. Consagra-se neste dispositivo o Princípio da Proporcionalidade, com a previsão de seus três subprincípios:

Necessidade
I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais
A medida é obrigatória, imprescindível, necessária, para atingir estes três objetivos?
Adequação
II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
A medida é apta a atingir o fim a que se destina?
Proporcionalidade em sentido estrito
A medida é consentânea com o mal que visa combater?

Em tempo, a gravidade do crime a ser considerada no art. 282, II, deve ser aferida em concreto, e não em abstrato (não pode se pautar apenas em juízo de valor abstrato do magistrado). Vide aqui os Enunciados nº. 718 e 719 da Súmula do STF (718 - A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada) (719 - A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea).

Aury Lopes Jr. defende que o fato da medida atender à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado consiste nos critérios para melhor escolha, pelo Juiz, da medida cautelar adotável no caso concreto. Trata-se, nesse sentido, de regra para o julgamento.

Importante observar um ponto que há muito vinha sendo discutido na doutrina, consistente na impossibilidade do juiz, dentro da estrutura do sistema acusatório, decretar de ofício a prisão na fase de inquérito. O Magistrado não deve agir como acusador, mantendo a sua imparcialidade e, sempre que possível, sua inércia, agindo de ofício apenas excepcionalmente. Na fase inquisitorial, o Juiz não pode adotar medidas cautelares ou impor prisão cautelar de ofício, sob pena de ferir o sistema acusatório. Isso porque o art. 282, §2º, faz diferença entre a investigação e o processo penal.

Legitimados no curso do processo penal para requerer a aplicação de prisão ou medidas cautelares
Legitimados no curso da investigação penal para requerer a aplicação de prisão ou medidas cautelares
§ 2o  As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou,
quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.

O legislador não incluiu no art. 282, §2º, a possibilidade do ofendido requerer a aplicação de medidas cautelares, o que é altamente questionável, em vista do art. 282, §4º, que prevê tal faculdade para o assistente de acusação (logo, quando já exista processo em curso).

Em tempo, cabe o destaque de que Aury Lopes Jr. critica a possibilidade do Juiz decretar medidas cautelares de ofício no curso de processo penal, uma vez que, segundo o entendimento pelo mesmo defendido, caracteriza-se assim uma ofensa ao sistema acusatório. Tal linha de pensamento ganha força ao se considerar as garantias constitucionais individuais, sempre à luz dos axiomas de Ferrajoli.

Em tese, deve haver, por força do art. 282, §3º, abertura de contraditório e ampla defesa antes da imposição de medida cautelar. Contudo, tal regra comumente perece face a urgência que usualmente as medidas têm em sua aplicação. Ex.: art. 320 – entrega do passaporte. Cria-se, pois, regra que, embora constitua garantia importante ao acusado, possui difícil observância.

É sempre importante lembrar que a prisão agora é definitivamente vista como extrema ratio. Assim, descumprida a cautelar imposta, o Juiz pode substituir a medida ou impor uma nova cumulativamente, ou, em último caso, se possível, decretar a prisão preventiva. Trata-se do disposto no art. 282, §§4º e 6º. Além disso, é sempre lícito ao Magistrado, com base no §5º, revogar a qualquer tempo a medida cautelar imposta (lembrando que a decisão que faz tal fixação é sempre proferida rebus sic stantibus).

As medidas cautelares previstas no CPP não se aplicam quando não for cominada pena privativa de liberdade (art. 283, §1º). Mas vale destacar a existência de “microssistemas” em que devem ser observadas as regras próprias (ex.: art. 28 c/c 48, ambos da Lei nº. 11.343/06 e art. 69, Lei nº. 9.099/95 – termo circunstanciado).

Além de questões procedimentais, uma alteração importante pode ser vista no art. 300. Abandona-se a antiga previsão de que sempre que possível os presos cautelares ficariam separados dos presos comuns – o que via de regra não ocorria. Agora, há uma obrigatoriedade, determinando a lei que sempre haverá tal afastamento. Trata-se de um alinhamento com o art. 84, LEP.

Art. 84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado.
§ 1° O preso primário cumprirá pena em seção distinta daquela reservada para os reincidentes.
§ 2° O preso que, ao tempo do fato, era funcionário da Administração da Justiça Criminal ficará em dependência separada.

Por fim, há duas considerações a serem destacadas. É importante ressalvar a situação do militar, que, nos termos do art. 300, parágrafo único, não será preso preventivamente em estabelecimento carcerário comum, devendo ser recolhido em quartel (mesmo quando se tratar de crime não militar).

Além disso, não existe mais qualquer resquício da prisão decorrente de pronúncia. É verdade que a mesma já havia deixado de valer a partir das reformas de 2008, mas agora foi extirpada a sua última fundamentação positiva possível. Tampouco persiste a prisão decorrente de sentença condenatória recorrível. Existem hoje, antes do trânsito em julgado, as prisões preventiva e temporária (esta na fase do inquérito).

São estas, pois, as breves considerações relativas à aplicação das prisões e medidas cautelares em nosso ordenamento jurídico, com as alterações efetuadas pela Lei nº 12.403/11. Em uma próxima oportunidade, falaremos sobre as novidades trazidas sobre as modalidades de prisões provisórias, bem como acerca das medidas cautelares em espécie.


Rio de Janeiro, 06 de maio de 2012


Bruno Rinaldi Botelho

4 comentários:

  1. Parabéns Bruno! Um belíssimo artigo iniciando a fase técnica de nossa Confraria em grande estilo e tratando de um tema tão atual. Importante lembrar nossa responsabilidade como críticos de qualquer alteração legislativa ocorrida, papel este que deve ser desempenhado por toda a sociedade e cujo presente artigo constitui um grande exemplo.

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  2. Parabéns Bruno, está bem didática a leitura!

    abs,
    Alberto.

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  3. Excelente trabalho! Muito didático! Além disso, é extremamente atual e relevante, sobretudo levando em consideração as recentes alterações legislativas sobre o tema, a necessidade de revisão e consolidação doutrinária e jurisprudencial e a importância da matéria para os concursos vindouros.
    De outro turno, fica a nossa responsabilidade de manter o padrão de pesquisa. Mais uma vez, parabéns pelo trabalho.

    Abs

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  4. Um texto claro, objetivo e bem escrito. Leitura que não fica restrita aos amantes do tema. Buscando o real proposito desta confraia que é a plena expansão do conhecimento.
    Abs

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