Chamar a atenção para a possibilidade de se argüir prescrição do crédito tributário, ou daqueles créditos a ele equiparado, por meio do conhecido expediente de defesa de pré-executividade, no bojo da ação de execução fiscal, é o objetivo deste artigo, que é uma pequena contribuição ao tema.
Sabe-se que a Lei
6.830/80 (LEF) regula o procedimento das execuções de maior interesse da
Administração Pública. Este diploma legal estabelece, por conta de seu art. 16,
o “único” meio de impugnação do título executivo: os embargos de executado.
Todavia, é de se observar que o §1º, do mesmo art. 16, fixa, como pressuposto de
conhecimento dos embargos, a prévia garantia do juízo com o montante integral
da dívida em execução.
Diante deste fato,
resulta que, por exigência legal, por mais nulo ou inexigível seja o título,
para que o contribuinte se defenda da pretensão executiva da Fazenda, é
imperativo ver-se privado de seu patrimônio, de forma a satisfazer o preceito
contido no §1º do art. 16 da Lei 6.830/80 e, somente assim, ter sua demanda
cognitiva de embargos do executado admitida e analisada em seu mérito.
Assim sendo, na
exigência acima é que reside o proveito de se estudar a possibilidade que tem o
contribuinte de se defender de um Título Executivo cujo crédito esteja
prescrito e, portanto, inexigível, sem que se faça necessária a constrição
patrimonial exigida para a propositura regular dos embargos de executado.
A exceção de
pré-executividade consiste na possibilidade do executado promover sua defesa
nos autos do processo de execução, sem necessidade de penhora e de oposição de
embargos à execução. A jurisprudência admite essa medida em casos excepcionais
nos quais o executado ventile questões de ordem pública, ou matérias que desde
logo venham acompanhadas de inequívoca comprovação.
Em homenagem ao
princípio do amplo acesso à justiça, a partir da construção atribuída ao
célebre Pontes de Miranda, a jurisprudência tem admitido a execução de
pré-executividade como meio de defesa do executado, a fim de evitar uma
injusta, muitas vezes insuportável, constrição do patrimônio do suposto
devedor, em matérias que, desde pronto, é possível ao juízo conhecer da
impossibilidade de prosseguimento da execução.
Sob esse prisma, a
matéria encontra-se pacificada na Jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça através da Súmula nº 393 do STJ.
“A
exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente
às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória.”
DAS
QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA
DA
PRESCRIÇÃO DOS DÉBITOS TRIBUTÁRIOS
Em síntese, a
prescrição é a perda do direito à ação. Em matéria tributária, o instituto tem
sede no art. 174 do Código Tributário Nacional, que assim dispõe:
Art.
174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos,
contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo
único. A prescrição se interrompe:
I
– pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (Redação dada
pela LC nº 118, de 2005)
II
- pelo protesto judicial;
III
- por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV
- por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em
reconhecimento do débito pelo devedor.
O dispositivo
estabelece como termo inicial para a contagem do prazo prescricional a
constituição definitiva do crédito, que, consoante a sistemática do sistema
tributário brasileiro, dá-se pelo lançamento.
A partir da
constituição definitiva do crédito, a fazenda dispõe do prazo de cinco anos
para efetivar a cobrança do crédito tributário, sob pena de extinção do crédito
tributário, de acordo com o disposto no art. 156 do CTN.
Art.
156 - Extinguem o crédito tributário:
(...)
V
- a prescrição e a decadência
O instituto
homenageia a segurança jurídica evitando-se que o contribuinte permaneça
eternamente a espera da atividade administrativa punindo a inércia do credor
fazendário. A inércia do titular do direito e decurso do prazo legal fulminam
do direito da fazenda de exigir o crédito extinguindo o próprio crédito.
Assim, a questão é a
fixação dos marcos temporais de interrupção, entre a constituição definitiva do
crédito e o termo final no qual transcorreu o prazo previsto em lei em que o
credor permaneceu inerte.
DA
CITAÇÃO VÁLIDA DO DEVEDOR, TERMO AD QUEM PARA INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
(REDAÇÃO
DO INCISO I, PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 174 DO CTN ANTES DA EDIÇÃO DA LEI
COMPLEMENTAR Nº 118/2005)
As hipóteses de
interrupção do prazo prescricional estão elencadas no § único do art. 174 do
CTN, entre elas, destaque-se o inciso I que, pela atual redação, estabelece a
interrupção da prescrição pelo despacho do Juiz que ordenar a citação em
execução fiscal.
A redação do inciso
I, § único do art. 174 do CTN foi dada pela lei complementar nº 118 de 09/02/2005,
que só entrou em vigor em 09/06/2005. A redação anterior do dispositivo
prescrevia a interrupção do prazo prescricional pela citação pessoal do devedor.
Portanto,
o regime normativo que disciplina a interrupção dos prazos prescricionais,
relativamente à citação do réu, antes da edição da lei complementar nº
118/2005, é aquele que prescreve a citação pessoal do devedor.
A discussão sobre o
tema gira em torno dos prazos que ainda não haviam se consumado quando da
edição da lei complementar nº 118/2005. Todavia, o Superior Tribunal de Justiça
pacificou a questão. Confira-se a jurisprudência adiante colacionada:
RECURSO
REPETITIVO. CITAÇÃO. EDITAL. INTERRUPÇÃO. PRESCRIÇÃO. A Seção, ao apreciar o
Resp. (Res. n. 8/2008-STJ e art. 543-C do CPC), deu provimento ao recurso,
determinando o retorno dos autos à instância de origem, para prosseguimento do
executivo fiscal. Restou firmado que a LC n. 118/2005 (vigência a partir de
9/6/2005) alterou o art. 174 do CTN para atribuir ao despacho do juiz que
ordenar a citação o efeito interruptivo da prescrição. Destarte,
consubstanciando norma processual, a referida LC é aplicada imediatamente aos
processos em curso, o que tem como consectário lógico que a data da propositura
da ação pode ser anterior à sua vigência. Todavia, a data do despacho que
ordenar a citação deve ser posterior à sua entrada em vigor, sob pena de
retroação da novel legislação. Conforme a jurisprudência deste Superior
Tribunal, a Lei de Execução Fiscal (LEF) prevê, em seu art. 8º, III, que, não
se encontrando o devedor, seja feita a citação por edital, que tem o condão de
interromper o lapso prescricional.
Da leitura da
jurisprudência acima, é fácil concluir que:
1) Para as ações
propostas antes de 09/06/ 2005 (data que entrou em vigor a LC nº 118), cujo
despacho de citação foi anterior a esta data, vale a regra da citação pessoal
do credor, antiga redação do inciso I, § 1º do art. 174 do CTN;
2) Para aquelas ações
para as quais ainda não havia despacho citatório do juiz, a interrupção do
prazo prescricional passou a ser disciplinada pela nova redação do dispositivo
acima, dada pela Lei Complementar nº 118/2005.
TERMO
A QUO PARA DA CONTAGEM PRESCRICIONAL
O Superior Tribunal
de Justiça já se posicionou no sentido de que nos tributos sujeitos ao
lançamento por homologação, a constituição definitiva do credito, que inaugura
a contagem do prazo prescricional para a cobrança do tributo é contada a partir
do vencimento da obrigação ou da entrega da declaração (DCTF), o que for
posterior. Vejamos:
TRIBUTÁRIO
E PROCESSUAL CIVIL. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. COFINS.
TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL.
RECURSO REPETITIVO JULGADO. MULTA DO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC
AFASTADA. SÚMULA 98/STJ.
1.
O acórdão recorrido analisou todas as questões atinentes à lide, só que de
forma contrária aos interesses da parte. Logo, não padece de vícios de omissão,
contradição ou obscuridade, a justificar sua anulação por esta Corte. Tese de
violação do art. 535 do CPC afastada.
2.
O entendimento mais recente jurisprudência desta Corte é no sentido de que a
partir do vencimento da obrigação ou da entrega da declaração (o que for
posterior), o crédito tributário já pode ser exigido, fixando, a partir daí, o
termo inicial do prazo prescricional.
3.
O tema em debate foi objeto de apreciação pela Primeira Seção, ao julgar o REsp
1.120.295/SP, mediante a sistemática prevista no art. 543-C do CPC (recursos
repetitivos).
4.
A multa aplicada nos embargos declaratórios deve ser afastada, pois os embargos
de declaração manifestados com propósito de prequestionamento não tem caráter
protelatório (Súmula 98/STJ).
5.
Agravo regimental provido apenas para afastar a multa do art. 538, parágrafo
único, do CPC.
Nesse
sentido, insta dizer que consta da CDA a constituição do crédito por meio de
declaração, portanto, deve ser considerada a data do vencimento do tributo,
constante na própria CDA, como marco inicial da contagem do prazo
prescricional.
DA
INÉRCIA DA FAZENDA PÚBLICA
Em termos práticos, é
cediço que as peças vestibulares nas execuções fiscais são formulários nos
quais a Procuradoria insere apenas os dados do executado, o valor e origem do
crédito tributário. Desta feita, não obstante o prazo qüinqüenal, o Fisco deixa
para propor as ações faltando poucos meses para o transcurso do prazo
prescricional, e se utiliza da Súmula 106, STJ, para que a argüição da
prescrição não seja acolhida.
De mais a mais,
quando a Fazenda Pública contribui para a ocorrência da prescrição, seja quando
deixa para ajuizar a execução fiscal no último exercício ou quando propõem
milhares de execuções simultaneamente, não há como ser aplicada a mencionada
súmula.
Pensando nestas
situações em que a Fazenda colabora com a morosidade na citação, os tribunais
pátrios começaram a não aplicar a vergastada súmula do STJ, senão vejamos:
EXECUÇÃO
FISCAL. EMBARGOS. PRESCRIÇÃO. ART. 2º, § 3º, E ART. 8º, § 2º, DA LEI N.
6.830/80.
1.
A regra do art. 2º, §3º, da Lei n. 6.830/80, que determina a suspensão do prazo
prescricional pela inscrição do débito em dívida ativa, resta afastada pelo
art. 174 do Código Tributário Nacional, norma de hierarquia superior.
2.
O art. 8º, § 2º, da LEF deve ser interpretado em harmonia com os dispositivos
do Código Tributário Nacional.
3.
Situação anterior à nova redação do art. 174, parágrafo único, inc. I, do CTN.
4.
Decorridos mais de cinco anos entre a constituição definitiva do crédito
tributário e a citação do sujeito passivo, cabível o acolhimento da prescrição,
não cabendo invocar a Súmula nº 106 do STJ, pois não houve demora do Judiciário
no cumprimento dos atos do processo. (TRF 4ª Região – AC 200570020021343/PR –
2ª T. Rel. Min. Des. Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ. DJU DATA:22/02/2006 PÁGINA:
467) (destaque ausente do original).
Em análise ao inteiro
teor do julgado supra-mencionado, evidencia-se que a inaplicabilidade da súmula
se deu quando houve culpa, ainda que mínima, da Fazenda em deixar transcorrer o
prazo prescricional, como bem demonstra o voto do relator:
" Entendo que não há
como aplicar ao caso a Súmula nº 106 do STJ, que afasta o acolhimento da
prescrição quando a demora na citação ocorre por "motivos inerentes ao
mecanismo da justiça", porque a prestação jurisdicional foi célere no caso
dos autos. O que ocorreu foi que a Fazenda Nacional ajuizou a ação no último
ano do prazo, faltando apenas cinco meses para a consumação da prescrição.
Dessa forma, qualquer problema na citação, como acabou ocorrendo, frustraria a
sua interrupção". (grifei)
Neste sentido, segue
a jurisprudência do STJ:
PROCESSUAL
CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – PRESCRIÇÃO – INÉRCIA DA FAZENDA PÚBLICA
– REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS (SÚMULA 7/STJ).
1.
Tendo a Corte de origem decidido soberanamente pela inércia da Fazenda Pública,
ao afastar a aplicação da Súmula 106/STJ, a análise de tese em sentido
contrário demandaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos,
procedimento este vedado pelo teor da Súmula 7/STJ.
2.
Agravo regimental improvido. (STJ – AGRESP 712647/PE – 2ª T. Rel. Min. ELIANA
CALMON. DJ DATA:13/02/2006 PÁGINA:760) (grifei).
Violação
ao Princípio da Segurança Jurídica
Não pode o Fisco
ficar indefinidamente sem promover a citação do executado, ao argumento de já
ter proposta a execução fiscal no prazo para seu exercício, sob pena de
flagrante violação a um dos maiores princípios constitucionais que é o da
segurança jurídica. O executado não pode ficar a mercê da Fazenda “ad eternum”.
Nesta senda, anote-se
a ilustre passagem do Ministro Luiz Fux:
“Permitir à Fazenda manter latente relação
processual inócua, sem citação e com prescrição intercorrente evidente é
conspirar contra os princípios gerais de direito, segundo os quais as
obrigações nasceram para serem extintas e o processo deve representar um
instrumento de realização da justiça.
Como
se não bastasse essa visível transgressão ao princípio da segurança jurídica, devemos
considerar que, se a Fazenda não pode ser prejudicada pela morosidade da
Justiça, muito menos pode ser o executado, haja vista que este, sim, não deu
qualquer causa para a demora na citação.”
Por todo exposto, o
acolhimento das razões apresentadas, para o reconhecimento da prescrição pelo Juiz, representa nada mais, do que o justo
tratamento ao executado, uma vez que não pode ter o seu patrimônio injustamente
constrito por débitos que estejam prescritos, o que feriria certamente a
segurança jurídica, princípio basilar do Estado Democrático de Direito.
Alberto Aparicio Neto
Alberto Aparicio Neto