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terça-feira, 3 de julho de 2012

Rio + 40

Estocolmo, 1972. Representantes de 113 Estados, 400 organizações não-governamentais e 19 órgãos intergovernamentais reuniram-se na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano (CNUMAH) ,um grande evento que prometia mudar os rumos do direito ambiental internacional. O secretário- geral da conferência, o canadense Maurice Strong, lançou naquela oportunidade o conceito de “ecodesenvolvimento”, com o intuito de conseguir compatibilizar o crescimento econômico com a proteção ambiental.

Infelizmente, porém, os resultados da conferência acabaram frustrando as expectativas dos ativistas ambientais. Diante de intermináveis impasses, a conferência acabou não estabelecendo documentos vinculantes , que estabelecessem metas concretas e mensuráveis para a proteção ambiental. Apesar disso, os negociadores comemoravam os resultados da CNUMAH, destacando os avanços conceituais e doutrinários e a ampla participação da sociedade civil no evento.

Déjà-vu? Uma semana após o término da Rio+ 20 , com tristeza pode-se constatar que há 40 anos as negociações ambientais parecem seguir o mesmo roteiro: há sempre grande esperança, aparentemente boas intenções, porém os resultados sempre carecem de efetividade. Por quê? O direito ambiental internacional foi construído com base no “ devo, não nego, pago quando puder”.

Desde Estocolmo as divergências são em essência as mesmas. Os países desenvolvidos reclamam dos baixos (ou inexistentes) padrões ambientais dos países em desenvolvimento, que dessa forma promoveriam o chamado “dumping ambiental” : sem a internalização dos custos ambientais, os manufaturados de nações como a China tornar-se-iam muito mais baratos do que aqueles produzidos, por exemplo, na União Europeia. Os países em desenvolvimento, em contrapartida, afirmam que a temática ambiental deveria ser analisada sob uma perspectiva histórica: países industrializados , que poluem desde meados do século XVIII ou XIX, historicamente teriam mais culpa pela degradação ambiental do que emergentes como o Brasil, que se industrializaram no início do século XX .

Como conciliar as duas posições ? Em importante esforço diplomático, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, popularmente chamada de Eco 1992, criou-se o chamado “princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas”. Síntese da posição brasileira em negociações ambientais, o princípio 7 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento afirma que “Os Estados irão cooperar, em espírito de parceria global, para a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre. Considerando as diversas contribuições para a degradação do meio ambiente global, os Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que lhes cabe na busca internacional do desenvolvimento sustentável, tendo em vista as pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e as tecnologias e recursos financeiros que controlam.”1

O princípio , em tese, estabeleceria as bases para as futuras negociações ambientais, resolvendo a dicotomia norte-sul. Infelizmente, porém, a solução foi meramente conceitual : na prática , os países reconhecem que a conta é de todos, porém raramente chegam a um acordo na hora de dividi-la . E , quando finalmente concordam com alguma coisa, dificilmente cumprem com a sua palavra.

Tome-se como exemplo o badalado Protocolo de Quioto. Pelo tratado, os países de industrialização mais antiga , listados no anexo I do documento, deveriam assumir metas específicas de redução de suas emissões de gases de efeito estufa (os chamados GEEs) no período compreendido entre 2008 e 2012. Considerado inovador, por estabelecer metas concretas e mensuráveis de redução, o protocolo acabou fracassando: apesar de estabelecer metas compulsórias, o documento não estabeleceu nenhuma penalidade para os países que não as respeitassem (o Canadá, por exemplo, extrapolou-as consideravelmente, sem sofrer qualquer tipo de sanção ). Ademais, mesmo com a ausência de mecanismos coercitivos , os EUA, responsáveis por cerca de 25% das emissões de GEEs, recusaram-se a assinar o documento, alegando que países em desenvolvimento também deveriam assumir metas compulsórias. Pelo mesmo motivo, Rússia , Japão e Canadá, países também listados no Anexo 1, em negociações recentes manifestaram que não irão participar do documento que irá suceder o Protocolo.

O que esperar, então, do futuro do direito ambiental internacional? Para os otimistas (ou sonhadores) de plantão, vale citar os mais importantes compromissos ambientais recentemente acordados . Durante a Cop – 14, realizada em 2008 na cidade de Poznan, na Polônia, a União Europeia apresentou o chamado “compromisso 3 vezes 20”, pelo qual comprometeu-se a até o ano de 2020 reduzir em 20% suas emissões de gases de efeito estufa, aumentar em 20% o uso de energias renováveis e reduzir em 20% o seu consumo de energia. O Brasil , no ano seguinte, apresentou meta voluntária igualmente ambiciosa: durante a COP 15, realizada em Copenhague, a diplomacia brasileira apresentou o compromisso de , até 2020, reduzir o desmatamento na Amazônia em 80% e cortar em cerca de 37% suas emissões de gases de efeito estufa. Até mesmo os EUA, historicamente resistentes à adoção de metas concretas, apresentaram um compromisso voluntário na Cop 15, comprometendo-se a reduzir suas emissões de GEEs em 17% até o ano de 2020.

Para os mais realistas, porém, no curto prazo as perspectivas são desanimadoras. Todos os compromissos até hoje assumidos, tanto multilateralmente, através de tratados, como unilateralmente, através de metas voluntárias, carecem de mecanismos que garantam a sua eficácia. Não é exagero dizer, pois, que atualmente o futuro do meio ambiente depende exclusivamente da boa vontade dos diferentes atores internacionais, sem quaisquer garantias para o caso de descumprimentos.

Alguns analistas internacionais, cientes de que o atual modelo de negociação ambiental carece de mecanismos coercitivos, procuram alternativas mais eficientes. Nesse sentido, fala-se sobre a introdução da temática ambiental nas discussões da Organização Mundial do Comércio. Em proposta que parece justa, especula-se sobre  o estabelecimento de padrões ambientais mínimos nos países em desenvolvimento, em troca do licenciamento compulsório de certas “tecnologias verdes”. Essa, talvez, seja uma solução capaz de produzir resultados , pois a OMC possui um Mecanismo de Solução de Controvérsias que, apesar de suas idiossincrasias, garantiria inédita eficácia aos acordos ambientais. A ideia, porém, está apenas em gestação e, considerando-se a complexidade das negociações, infelizmente acho que ainda estaremos discutindo as mesmas questões em uma eventual Rio + 40.

Gabriel Simas

Sugestões de leitura:


LAGO, André Aranha Corrêa do. Estocolmo, Rio, Joanesburgo: o Brasil e as três conferências ambientais das Nações Unidas. Brasília: Funag, 2007
Link para download:

WILSON, Jessica.Um breve guia sobre aquecimento global / Jessica Wilson,Stephen Law; tradução, Patricia Zimbres. - Brasília :Fundação Alexandre de Gusmão, 2009.
Link para download:

1Texto completo da declaração disponível em http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf