Translate

terça-feira, 3 de julho de 2012

Rio + 40

Estocolmo, 1972. Representantes de 113 Estados, 400 organizações não-governamentais e 19 órgãos intergovernamentais reuniram-se na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano (CNUMAH) ,um grande evento que prometia mudar os rumos do direito ambiental internacional. O secretário- geral da conferência, o canadense Maurice Strong, lançou naquela oportunidade o conceito de “ecodesenvolvimento”, com o intuito de conseguir compatibilizar o crescimento econômico com a proteção ambiental.

Infelizmente, porém, os resultados da conferência acabaram frustrando as expectativas dos ativistas ambientais. Diante de intermináveis impasses, a conferência acabou não estabelecendo documentos vinculantes , que estabelecessem metas concretas e mensuráveis para a proteção ambiental. Apesar disso, os negociadores comemoravam os resultados da CNUMAH, destacando os avanços conceituais e doutrinários e a ampla participação da sociedade civil no evento.

Déjà-vu? Uma semana após o término da Rio+ 20 , com tristeza pode-se constatar que há 40 anos as negociações ambientais parecem seguir o mesmo roteiro: há sempre grande esperança, aparentemente boas intenções, porém os resultados sempre carecem de efetividade. Por quê? O direito ambiental internacional foi construído com base no “ devo, não nego, pago quando puder”.

Desde Estocolmo as divergências são em essência as mesmas. Os países desenvolvidos reclamam dos baixos (ou inexistentes) padrões ambientais dos países em desenvolvimento, que dessa forma promoveriam o chamado “dumping ambiental” : sem a internalização dos custos ambientais, os manufaturados de nações como a China tornar-se-iam muito mais baratos do que aqueles produzidos, por exemplo, na União Europeia. Os países em desenvolvimento, em contrapartida, afirmam que a temática ambiental deveria ser analisada sob uma perspectiva histórica: países industrializados , que poluem desde meados do século XVIII ou XIX, historicamente teriam mais culpa pela degradação ambiental do que emergentes como o Brasil, que se industrializaram no início do século XX .

Como conciliar as duas posições ? Em importante esforço diplomático, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, popularmente chamada de Eco 1992, criou-se o chamado “princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas”. Síntese da posição brasileira em negociações ambientais, o princípio 7 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento afirma que “Os Estados irão cooperar, em espírito de parceria global, para a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre. Considerando as diversas contribuições para a degradação do meio ambiente global, os Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que lhes cabe na busca internacional do desenvolvimento sustentável, tendo em vista as pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e as tecnologias e recursos financeiros que controlam.”1

O princípio , em tese, estabeleceria as bases para as futuras negociações ambientais, resolvendo a dicotomia norte-sul. Infelizmente, porém, a solução foi meramente conceitual : na prática , os países reconhecem que a conta é de todos, porém raramente chegam a um acordo na hora de dividi-la . E , quando finalmente concordam com alguma coisa, dificilmente cumprem com a sua palavra.

Tome-se como exemplo o badalado Protocolo de Quioto. Pelo tratado, os países de industrialização mais antiga , listados no anexo I do documento, deveriam assumir metas específicas de redução de suas emissões de gases de efeito estufa (os chamados GEEs) no período compreendido entre 2008 e 2012. Considerado inovador, por estabelecer metas concretas e mensuráveis de redução, o protocolo acabou fracassando: apesar de estabelecer metas compulsórias, o documento não estabeleceu nenhuma penalidade para os países que não as respeitassem (o Canadá, por exemplo, extrapolou-as consideravelmente, sem sofrer qualquer tipo de sanção ). Ademais, mesmo com a ausência de mecanismos coercitivos , os EUA, responsáveis por cerca de 25% das emissões de GEEs, recusaram-se a assinar o documento, alegando que países em desenvolvimento também deveriam assumir metas compulsórias. Pelo mesmo motivo, Rússia , Japão e Canadá, países também listados no Anexo 1, em negociações recentes manifestaram que não irão participar do documento que irá suceder o Protocolo.

O que esperar, então, do futuro do direito ambiental internacional? Para os otimistas (ou sonhadores) de plantão, vale citar os mais importantes compromissos ambientais recentemente acordados . Durante a Cop – 14, realizada em 2008 na cidade de Poznan, na Polônia, a União Europeia apresentou o chamado “compromisso 3 vezes 20”, pelo qual comprometeu-se a até o ano de 2020 reduzir em 20% suas emissões de gases de efeito estufa, aumentar em 20% o uso de energias renováveis e reduzir em 20% o seu consumo de energia. O Brasil , no ano seguinte, apresentou meta voluntária igualmente ambiciosa: durante a COP 15, realizada em Copenhague, a diplomacia brasileira apresentou o compromisso de , até 2020, reduzir o desmatamento na Amazônia em 80% e cortar em cerca de 37% suas emissões de gases de efeito estufa. Até mesmo os EUA, historicamente resistentes à adoção de metas concretas, apresentaram um compromisso voluntário na Cop 15, comprometendo-se a reduzir suas emissões de GEEs em 17% até o ano de 2020.

Para os mais realistas, porém, no curto prazo as perspectivas são desanimadoras. Todos os compromissos até hoje assumidos, tanto multilateralmente, através de tratados, como unilateralmente, através de metas voluntárias, carecem de mecanismos que garantam a sua eficácia. Não é exagero dizer, pois, que atualmente o futuro do meio ambiente depende exclusivamente da boa vontade dos diferentes atores internacionais, sem quaisquer garantias para o caso de descumprimentos.

Alguns analistas internacionais, cientes de que o atual modelo de negociação ambiental carece de mecanismos coercitivos, procuram alternativas mais eficientes. Nesse sentido, fala-se sobre a introdução da temática ambiental nas discussões da Organização Mundial do Comércio. Em proposta que parece justa, especula-se sobre  o estabelecimento de padrões ambientais mínimos nos países em desenvolvimento, em troca do licenciamento compulsório de certas “tecnologias verdes”. Essa, talvez, seja uma solução capaz de produzir resultados , pois a OMC possui um Mecanismo de Solução de Controvérsias que, apesar de suas idiossincrasias, garantiria inédita eficácia aos acordos ambientais. A ideia, porém, está apenas em gestação e, considerando-se a complexidade das negociações, infelizmente acho que ainda estaremos discutindo as mesmas questões em uma eventual Rio + 40.

Gabriel Simas

Sugestões de leitura:


LAGO, André Aranha Corrêa do. Estocolmo, Rio, Joanesburgo: o Brasil e as três conferências ambientais das Nações Unidas. Brasília: Funag, 2007
Link para download:

WILSON, Jessica.Um breve guia sobre aquecimento global / Jessica Wilson,Stephen Law; tradução, Patricia Zimbres. - Brasília :Fundação Alexandre de Gusmão, 2009.
Link para download:

1Texto completo da declaração disponível em http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Henri Cartier Bresson (1908-2004)






Na minha primeira contribuição para o blog resolvi falar de um dos maiores fotógrafos do século XX. Ou melhor, apenas fazer uma breve apresentação deste gênio da fotografia que passou por diversas experiências na África como caçador, ao servir o exército francês na Segunda Guerra Mundial, além de passagens pelo mundo: o primeiro fotografo da Europa Ocidental  a registrar a vida na União Soviética; na China  fotografou os últimos dias de Gandhi e os enucos imperiais chineses, logo após a Revolução Cultural.

Algumas fotografias de Bresson podem ser vistas na internet, e no site: http://www.magnumphotos.com . E para uma pesquisa mais aprofundada da biografia deste gênio recomendo a visita do site da Fundação Henri Cartier Bresson (http://www.henricartierbresson.org).

Por fim, irei postar uma das fotografias que mais gosto. Ela é datada de 1932 no Place de l’Europe. Sem dúvida, representa muito mais que uma foto; qualifico como uma pintura que foi feita em apenas frações de segundo por um click. Tentarei descrever de forma objetiva a fotografia: primeiramente todos poderão ver que existe facilmente uma duplicidade no plano vertical que foi beneficiada pelo espelho d’água no chão (homem em movimento, grades ao fundo, homem parado e outras composições). Segundo, há na esquerda a palavra “BALLOWSKY” escrita duas vezes e também refletida no espelho. Por último, o movimento da bailarina do cartaz para esquerda e do homem do primeiro plano para a direita dão a duplicidade e antagonismo no plano horizontal que faz com que a fotografia tenha movimento.

Sinto que o momento é de terminar minha escrita para que todos possam apreciar a obra deste fantástico fotógrafo.




Rodrigo Pomar

quinta-feira, 31 de maio de 2012

A possibilidade de arguição de prescrição pela via da Exceção de Pré-Executividade na Execução Fiscal



            Chamar a atenção para a possibilidade de se argüir prescrição do crédito tributário, ou daqueles créditos a ele equiparado, por meio do conhecido expediente de defesa de pré-executividade, no bojo da ação de execução fiscal, é o objetivo deste artigo, que é uma pequena contribuição ao tema.

            Sabe-se que a Lei 6.830/80 (LEF) regula o procedimento das execuções de maior interesse da Administração Pública. Este diploma legal estabelece, por conta de seu art. 16, o “único” meio de impugnação do título executivo: os embargos de executado. Todavia, é de se observar que o §1º, do mesmo art. 16, fixa, como pressuposto de conhecimento dos embargos, a prévia garantia do juízo com o montante integral da dívida em execução.

        Diante deste fato, resulta que, por exigência legal, por mais nulo ou inexigível seja o título, para que o contribuinte se defenda da pretensão executiva da Fazenda, é imperativo ver-se privado de seu patrimônio, de forma a satisfazer o preceito contido no §1º do art. 16 da Lei 6.830/80 e, somente assim, ter sua demanda cognitiva de embargos do executado admitida e analisada em seu mérito.

           Assim sendo, na exigência acima é que reside o proveito de se estudar a possibilidade que tem o contribuinte de se defender de um Título Executivo cujo crédito esteja prescrito e, portanto, inexigível, sem que se faça necessária a constrição patrimonial exigida para a propositura regular dos embargos de executado.

         A exceção de pré-executividade consiste na possibilidade do executado promover sua defesa nos autos do processo de execução, sem necessidade de penhora e de oposição de embargos à execução. A jurisprudência admite essa medida em casos excepcionais nos quais o executado ventile questões de ordem pública, ou matérias que desde logo venham acompanhadas de inequívoca comprovação.

        Em homenagem ao princípio do amplo acesso à justiça, a partir da construção atribuída ao célebre Pontes de Miranda, a jurisprudência tem admitido a execução de pré-executividade como meio de defesa do executado, a fim de evitar uma injusta, muitas vezes insuportável, constrição do patrimônio do suposto devedor, em matérias que, desde pronto, é possível ao juízo conhecer da impossibilidade de prosseguimento da execução.

              Sob esse prisma, a matéria encontra-se pacificada na Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça através da Súmula nº 393 do STJ.

“A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória.”


DAS QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA


DA PRESCRIÇÃO DOS DÉBITOS TRIBUTÁRIOS


            Em síntese, a prescrição é a perda do direito à ação. Em matéria tributária, o instituto tem sede no art. 174 do Código Tributário Nacional, que assim dispõe:



Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (Redação dada pela LC nº 118, de 2005)
II - pelo protesto judicial;
III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.


      O dispositivo estabelece como termo inicial para a contagem do prazo prescricional a constituição definitiva do crédito, que, consoante a sistemática do sistema tributário brasileiro, dá-se pelo lançamento.
A partir da constituição definitiva do crédito, a fazenda dispõe do prazo de cinco anos para efetivar a cobrança do crédito tributário, sob pena de extinção do crédito tributário, de acordo com o disposto no art. 156 do CTN.


Art. 156 - Extinguem o crédito tributário:
(...)
V - a prescrição e a decadência


           O instituto homenageia a segurança jurídica evitando-se que o contribuinte permaneça eternamente a espera da atividade administrativa punindo a inércia do credor fazendário. A inércia do titular do direito e decurso do prazo legal fulminam do direito da fazenda de exigir o crédito extinguindo o próprio crédito.
Assim, a questão é a fixação dos marcos temporais de interrupção, entre a constituição definitiva do crédito e o termo final no qual transcorreu o prazo previsto em lei em que o credor permaneceu inerte.


DA CITAÇÃO VÁLIDA DO DEVEDOR, TERMO AD QUEM PARA INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO

(REDAÇÃO DO INCISO I, PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 174 DO CTN ANTES DA EDIÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005)


         As hipóteses de interrupção do prazo prescricional estão elencadas no § único do art. 174 do CTN, entre elas, destaque-se o inciso I que, pela atual redação, estabelece a interrupção da prescrição pelo despacho do Juiz que ordenar a citação em execução fiscal.

      A redação do inciso I, § único do art. 174 do CTN foi dada pela lei complementar nº 118 de 09/02/2005, que só entrou em vigor em 09/06/2005. A redação anterior do dispositivo prescrevia a interrupção do prazo prescricional pela citação pessoal do devedor.

        Portanto, o regime normativo que disciplina a interrupção dos prazos prescricionais, relativamente à citação do réu, antes da edição da lei complementar nº 118/2005, é aquele que prescreve a citação pessoal do devedor.

           A discussão sobre o tema gira em torno dos prazos que ainda não haviam se consumado quando da edição da lei complementar nº 118/2005. Todavia, o Superior Tribunal de Justiça pacificou a questão. Confira-se a jurisprudência adiante colacionada:


RECURSO REPETITIVO. CITAÇÃO. EDITAL. INTERRUPÇÃO. PRESCRIÇÃO. A Seção, ao apreciar o Resp. (Res. n. 8/2008-STJ e art. 543-C do CPC), deu provimento ao recurso, determinando o retorno dos autos à instância de origem, para prosseguimento do executivo fiscal. Restou firmado que a LC n. 118/2005 (vigência a partir de 9/6/2005) alterou o art. 174 do CTN para atribuir ao despacho do juiz que ordenar a citação o efeito interruptivo da prescrição. Destarte, consubstanciando norma processual, a referida LC é aplicada imediatamente aos processos em curso, o que tem como consectário lógico que a data da propositura da ação pode ser anterior à sua vigência. Todavia, a data do despacho que ordenar a citação deve ser posterior à sua entrada em vigor, sob pena de retroação da novel legislação. Conforme a jurisprudência deste Superior Tribunal, a Lei de Execução Fiscal (LEF) prevê, em seu art. 8º, III, que, não se encontrando o devedor, seja feita a citação por edital, que tem o condão de interromper o lapso prescricional.


Da leitura da jurisprudência acima, é fácil concluir que:


1) Para as ações propostas antes de 09/06/ 2005 (data que entrou em vigor a LC nº 118), cujo despacho de citação foi anterior a esta data, vale a regra da citação pessoal do credor, antiga redação do inciso I, § 1º do art. 174 do CTN;

2) Para aquelas ações para as quais ainda não havia despacho citatório do juiz, a interrupção do prazo prescricional passou a ser disciplinada pela nova redação do dispositivo acima, dada pela Lei Complementar nº 118/2005.

TERMO A QUO PARA DA CONTAGEM PRESCRICIONAL


        O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de que nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, a constituição definitiva do credito, que inaugura a contagem do prazo prescricional para a cobrança do tributo é contada a partir do vencimento da obrigação ou da entrega da declaração (DCTF), o que for posterior. Vejamos:


TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. COFINS. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. RECURSO REPETITIVO JULGADO. MULTA DO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC AFASTADA. SÚMULA 98/STJ.
1. O acórdão recorrido analisou todas as questões atinentes à lide, só que de forma contrária aos interesses da parte. Logo, não padece de vícios de omissão, contradição ou obscuridade, a justificar sua anulação por esta Corte. Tese de violação do art. 535 do CPC afastada.
2. O entendimento mais recente jurisprudência desta Corte é no sentido de que a partir do vencimento da obrigação ou da entrega da declaração (o que for posterior), o crédito tributário já pode ser exigido, fixando, a partir daí, o termo inicial do prazo prescricional.
3. O tema em debate foi objeto de apreciação pela Primeira Seção, ao julgar o REsp 1.120.295/SP, mediante a sistemática prevista no art. 543-C do CPC (recursos repetitivos).
4. A multa aplicada nos embargos declaratórios deve ser afastada, pois os embargos de declaração manifestados com propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório (Súmula 98/STJ).
5. Agravo regimental provido apenas para afastar a multa do art. 538, parágrafo único, do CPC.

  
            Nesse sentido, insta dizer que consta da CDA a constituição do crédito por meio de declaração, portanto, deve ser considerada a data do vencimento do tributo, constante na própria CDA, como marco inicial da contagem do prazo prescricional.

DA INÉRCIA DA FAZENDA PÚBLICA


           Em termos práticos, é cediço que as peças vestibulares nas execuções fiscais são formulários nos quais a Procuradoria insere apenas os dados do executado, o valor e origem do crédito tributário. Desta feita, não obstante o prazo qüinqüenal, o Fisco deixa para propor as ações faltando poucos meses para o transcurso do prazo prescricional, e se utiliza da Súmula 106, STJ, para que a argüição da prescrição não seja acolhida.

              De mais a mais, quando a Fazenda Pública contribui para a ocorrência da prescrição, seja quando deixa para ajuizar a execução fiscal no último exercício ou quando propõem milhares de execuções simultaneamente, não há como ser aplicada a mencionada súmula.

              Pensando nestas situações em que a Fazenda colabora com a morosidade na citação, os tribunais pátrios começaram a não aplicar a vergastada súmula do STJ, senão vejamos:


EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. PRESCRIÇÃO. ART. 2º, § 3º, E ART. 8º, § 2º, DA LEI N. 6.830/80.
1. A regra do art. 2º, §3º, da Lei n. 6.830/80, que determina a suspensão do prazo prescricional pela inscrição do débito em dívida ativa, resta afastada pelo art. 174 do Código Tributário Nacional, norma de hierarquia superior.
2. O art. 8º, § 2º, da LEF deve ser interpretado em harmonia com os dispositivos do Código Tributário Nacional.
3. Situação anterior à nova redação do art. 174, parágrafo único, inc. I, do CTN.
4. Decorridos mais de cinco anos entre a constituição definitiva do crédito tributário e a citação do sujeito passivo, cabível o acolhimento da prescrição, não cabendo invocar a Súmula nº 106 do STJ, pois não houve demora do Judiciário no cumprimento dos atos do processo. (TRF 4ª Região – AC 200570020021343/PR – 2ª T. Rel. Min. Des. Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ. DJU DATA:22/02/2006 PÁGINA: 467) (destaque ausente do original).


            Em análise ao inteiro teor do julgado supra-mencionado, evidencia-se que a inaplicabilidade da súmula se deu quando houve culpa, ainda que mínima, da Fazenda em deixar transcorrer o prazo prescricional, como bem demonstra o voto do relator:

" Entendo que não há como aplicar ao caso a Súmula nº 106 do STJ, que afasta o acolhimento da prescrição quando a demora na citação ocorre por "motivos inerentes ao mecanismo da justiça", porque a prestação jurisdicional foi célere no caso dos autos. O que ocorreu foi que a Fazenda Nacional ajuizou a ação no último ano do prazo, faltando apenas cinco meses para a consumação da prescrição. Dessa forma, qualquer problema na citação, como acabou ocorrendo, frustraria a sua interrupção". (grifei)


Neste sentido, segue a jurisprudência do STJ:


PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – PRESCRIÇÃO – INÉRCIA DA FAZENDA PÚBLICA – REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS (SÚMULA 7/STJ).
1. Tendo a Corte de origem decidido soberanamente pela inércia da Fazenda Pública, ao afastar a aplicação da Súmula 106/STJ, a análise de tese em sentido contrário demandaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, procedimento este vedado pelo teor da Súmula 7/STJ.
2. Agravo regimental improvido. (STJ – AGRESP 712647/PE – 2ª T. Rel. Min. ELIANA CALMON. DJ DATA:13/02/2006 PÁGINA:760) (grifei).


Violação ao Princípio da Segurança Jurídica


         Não pode o Fisco ficar indefinidamente sem promover a citação do executado, ao argumento de já ter proposta a execução fiscal no prazo para seu exercício, sob pena de flagrante violação a um dos maiores princípios constitucionais que é o da segurança jurídica. O executado não pode ficar a mercê da Fazenda “ad eternum”.

Nesta senda, anote-se a ilustre passagem do Ministro Luiz Fux:

 “Permitir à Fazenda manter latente relação processual inócua, sem citação e com prescrição intercorrente evidente é conspirar contra os princípios gerais de direito, segundo os quais as obrigações nasceram para serem extintas e o processo deve representar um instrumento de realização da justiça.
Como se não bastasse essa visível transgressão ao princípio da segurança jurídica, devemos considerar que, se a Fazenda não pode ser prejudicada pela morosidade da Justiça, muito menos pode ser o executado, haja vista que este, sim, não deu qualquer causa para a demora na citação.”

              Por todo exposto, o acolhimento das razões apresentadas, para o reconhecimento da prescrição pelo Juiz, representa nada mais, do que o justo tratamento ao executado, uma vez que não pode ter o seu patrimônio injustamente constrito por débitos que estejam prescritos, o que feriria certamente a segurança jurídica, princípio basilar do Estado Democrático de Direito.




Alberto Aparicio Neto

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Arte de Massas

Walter Benjamin
 Amigos,

Inicio minha contribuição ao blog com algumas considerações sobre o tema “Arte de Massas”. Para quem anda cansado das leituras jurídicas, da CPI do Cachoeira, da crise na Grécia e, em especial, para os flamenguistas cansados de férias, espero que esse texto possa servir ao propósito de relaxar a mente e estimular outras leituras sobre História e Filosofia da Arte.

A história da arte é um reflexo da história dos homens. Um espelho fidedigno de seus hábitos, de suas crenças, de suas angústias. A arte tem vocação libertária, serve de canal a uma ampla gama de sentimentos e convicções. Talvez por isso tenha mudado tanto e tão profundamente ao longo dos séculos, como o próprio homem, seu senhor e também seu servo, seu amante e, muitas vezes, seu objeto. A arte é perturbadora, mais que tudo. É nisso que repousa seu traço de humanidade.

Mas falar em "Arte" é tão generalista quanto falar em "Homem". Pouco se pode extrair de gêneros tão amplos. Ainda assim, quando pensamos numa História da Arte quase sempre temos em mente os clássicos, as obras auráticas, únicas, individualizadas pela genialidade do artista. Tais manifestações estão intimamente relacionadas a uma atmosfera de religiosidade e aristocracia, constituindo verdadeiros signos presuntivos de poder, riqueza e/ou divindade. Portanto, referem-se a um dado momento histórico e a um limitadíssimo conjunto de apreciadores.

Em contraposição, o século XX nos proporcionou a emergência de uma outra perspectiva artística, bastante mais plural: a arte de massas. Mas quais foram os fatores decisivos para essa quebra de paradigma? Restringindo um pouco mais a análise - a fim de que o artigo cumpra com sua finalidade e seus limites - qual a contribuição das técnicas de representação, como a fotografia e o cinema, para o desenvolvimento de uma arte de massas?

Para tentar discorrer sobre o tema, valho-me das ideias de Walter Benjamin[1]. Este filósofo, crítico literário, tradutor - em suma, intelectual - judeu alemão, nascido ao final do século XIX, asseverava que a obra de arte sempre fora reprodutiva[2], mas era categoricamente honesto na sua percepção de que a reprodução técnica da obra permitiu que se alcançasse um novo estágio na história da arte, muito além das primeiras técnicas de imitação, que não tiveram o escopo de “massificar” ou "exponibilizar" a produção artística. A fotografia, por exemplo, trouxe uma inovação marcante: demitiu as mãos de seu emprego mais utilitário e artesanal, deixando o trabalho principal a cargo dos olhos.

Não obstante, as “novas” [à época do autor] técnicas de representação esbarraram na questão da autenticidade, desconstruindo a ideia de aura, ou melhor, acelerando o declínio desta característica comum às demais representações artísticas que lhes antecederam, como a pintura e o teatro, por exemplo.
Diz-se, à guisa de explicação, que os objetos auráticos são aqueles “soprados” não por indivíduos, mas por coletividades. Deixando de dourar a pílula e sendo mais claro: a relação com o produto é totalmente oposta àquela que se verifica em face dos objetos reproduzíveis ou reproduzidos, como, por exemplo, os filmes, que pressupõem uma seriação. Nessa toada, especificamente, a relação aurática acaba sendo transferida para os atores e diretores (fala-se na “estrela de cinema”). Já os objetos corpóreos únicos permanecem sujeitos à decadência. Com efeito, assim se consegue compreender que o “social” e o “único” se distinguem, já que este último reproduz aspectos de um certo fetichismo, naquilo que há de ritualístico na relação entre o homem e o objeto que ele cria.

Além disso, a reprodução técnica amplia, sobremaneira, a possibilidade do olhar humano. No caso da fotografia, por exemplo, é possível fixar imagens que, numa situação original, passariam facilmente despercebidas ao olhar mais atento. Para além dessa característica, a reprodutibilidade trouxe o objeto para perto das massas, para sua contemplação banalizada e desvinculada da tradição ritualística, e consequentemente desvinculada de seu valor de culto. A obra de arte se emancipa do culto. Se nas suas origens ficava adstrita ao campo religioso e aos olhos de poucos, agora adentra no campo secular e da exposição às massas. Com razão, pode-se dizer que aquilo que se produz já é feito com a intenção de ser reproduzido, verificando-se sempre um escopo social desde a fase pré-produtiva.

O autor sugere essa tendência no campo cinematográfico e aponta, quase que de forma causal, o aprofundamento da crise nas obras teatrais: “A arte contemporânea será tanto mais eficaz quanto mais se orientar em função da reprodutibilidade e, portanto, quanto menos colocar em seu centro a obra original”. Destarte, a relação de representação do homem através do aparelho também impõe outra inovação nas produções, sobretudo em razão das exigências técnicas que se colocam diante do ator de cinema. Este sujeito deixa de ter contato com seu público e passa a ter sua atuação balizada por um grupo de técnicos cinematográficos. Nesse sentido, distancia-se do resultado instantâneo da produção junto aos espectadores, mas continua trabalhando sob a expectativa da repercussão futura. Em outras palavras, projetam-se os efeitos da atuação para o momento da exibição do filme. Nesse interregno, o ator parece atravessar um estado de quase-liminalidade, já que o reconhecimento de seu trabalho pelo público permanece suspenso até a consagração (ou não) nas telas de cinema.

Também são impressionantes os imperativos da reprodução na arena política. Como olvidar a relação intrínseca entre o avanço das técnicas de reprodução e a formação do político profissional? Este indivíduo se sujeita a uma seleção baseada na razão direta entre sua capacidade retórica e o alcance de sua mensagem através dos veículos de comunicação. Portanto, deve ser profícuo discursista. Não o sendo, nunca poderá prescindir de uma boa equipe de propagandistas. Isso tanto é verdade que hoje em dia muitos publicitários acumulam fortuna forjando a imagem de políticos: agigantando suas virtudes, ocultando seus defeitos, prestando-lhe assessoria nos discursos e até repaginando suas aparências físicas. Assim criam grandes animais políticos, muito maiores do que são os homens que lhes dão nomes.

Desta feita, percebe-se que são inúmeros os fatores trazidos por essas técnicas de representação para a conformação de uma arte de massas. Vimos alguns poucos, porém decisivos. Em síntese, talvez se possa dizer que esses fatores permitiram que a arte alcançasse esse viés social, deixando de lado sua origem teológica, passando pela contemplação de devotos restritos, até chegar ao cotidiano burguês, por onde ela caminha depressa, irrequieta e pujante, muito mais no sentido da diversão do que da devoção. Não obstante, seja para fugir do mundo, seja para se unir a ele, a arte continua sendo o meio mais seguro[3].

Mas, se os canais foram ampliados, a tradição passou a experimentar uma crise profunda, o que nos permite até anunciar o encerramento de um período com traços bem definidos, ou como sugeria Danto, um suposto “fim da arte” [4]. Não pretendemos ir tão longe e fazer coro ao anúncio fatalista, que na verdade tem uma explicação menos impactante, mas uma coisa é certa: a releitura de W. Benjamin já pode e deve ser feita de forma a contemplar a considerável ampliação dos canais midiáticos, sobretudo com o avanço arrebatador da internet. Mais do que nunca, a renovação das estruturas sociais marcha a passos largos. Não sabemos para onde. Mas isso já é conversa para outro artigo.

Felipe Pereira  

[1] Sobre essas ideias, grosseira e brevemente expostas neste artigo, vale consultar um de seus mais prestigiados ensaios no campo da Teoria Materialista da Arte: “A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica” (1936)

[2] Em sentido oposto, a brilhante frase de Paul Klee: “A arte não reproduz o que vemos. Ela nos faz ver.”

[3] Pequena homenagem a Johann Goethe

[4] O anúncio de Arthur C. Danto em sua obra “Após o fim da arte – A arte contemporânea e os limites da História ” não é tão inovador. Parece seguir a linha geral lançada por Hegel em sua "Teoria do Fim da História”, recentemente (nem tanto) revigorada por Francis Fukuyama em “The end of history and the last man”. A ideia é fazer menção ao fim de um longo e emblemático período de antagonismos que movimentou o processo histórico e o início de um período de estabilidade. Ao fim e ao cabo, não consigo concordar com as explicações dessas teorias. Todas elas me parecem fruto de conjecturas pessoais, reducionistas e historicamente contaminadas.